sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

PARTE III - Zoonoses transmitidas por insectos vectores

Clínica Veterinária de Mangualde
             Dr. Benigno José Rodrigues
             Dra. Sandra Oliveira





PARTE III - Zoonoses transmitidas por insectos vectores

As doenças transmitidas por vectores constituem actualmente uma séria preocupação. São transmitidas por ectoparasitas como carraças, pulgas, mosquitos e flebótomos, e devido ao seu potencial zoonótico representam uma ameaça global para a saúde humana.
 A região mediterrânica com o seu clima ameno promove condições propícias para o desenvolvimento destes ectoparasitas o que leva a que Portugal seja endémico para várias das doenças transmitidas por insectos vectores.
Estes parasitas têm uma diferente sazonalidade consoante a sua biologia e ecologia. Por exemplo, no Sul da Europa é esperado encontrar carraças nos cães durante todo o ano, enquanto que a actividade dos flebótomos geralmente limita-se aos meses mais quentes (de Junho a Outubro). Isto implica  que os cães estão em risco de infecção por Leishmania infantum durante todo o verão, e por muitos agentes patogénicos transmitidos por carraças durante todo o ano.


  •    LEISHMANIOSE CANINA
A Leishmaniose canina é uma zoonose de grande importância e de impacto na saúde pública. Todos os anos registam-se em Portugal entre 10 a 15 casos de Leishmaniose em Humanos, especialmente nas pessoas imunocomprometidas e crianças.
A doença atinge todas as raças de cães, em todas as idades, e com uma elevada taxa de morbilidade e mortalidade.
É muito frequente nos países da bacia Mediterrânica e da América do Sul. Em Portugal, a doença é endémica em todo o território, embora algumas áreas apresentem uma prevalência mais elevada que outras: Trás-os-Montes e Alto Douro, Beiras, Ribatejo, Alentejo, região de Lisboa, Setúbal e o Algarve. Qualquer deslocação com os animais de estimação para estas zonas significa um risco acrescido de contágio.
É causada por um protozoário: a Leishmania infantum que parasita o sistema imunitário do hospedeiro: o cão. O ciclo de vida deste parasita só se completa na presença de um vector: o insecto flebótomo.
O flebótomo ao picar um animal doente servirá de veículo do parasita a outro animal ou  ser humano sadio que vier a picar e assim sucessivamente. Sem o insecto, não há o ciclo. Por isso, o mero contacto ou proximidade física de um cão contaminado com um saudável ou com o homem, não constitui perigo de contágio da doença.
 A Leishmaniose é uma doença grave, de curso lento, crónico, de difícil diagnóstico e tratamento e de fácil transmissão. No cão os sinais clínicos são muito variáveis. Geralmente surge apatia, perda de peso progressiva, lesões na pele, crescimento exagerado das unhas e perda de apetite. Se não for tratada é fatal.
A prevenção no cão faz-se com a vacinação e o uso de produtos repelentes como coleiras ou pipetas. Também deve-se evitar passeios em zonas de rios, charcos ou de águas paradas ao amanhecer e ao entardecer que é quando há uma grande proliferação do insecto.
Para evitar a picada dos flebótomos deve tomar precauções como usar repelentes de insectos, redes mosquiteiras, evitar andar de pele exposta ao anoitecer e amanhecer e desinfectar as instalações.


  • DIROFILARIOSE
A Dirofilariose, conhecida como “a doença do verme do coração” é causada pelo parasita nemátodo: Dirofilaria.
Em Portugal, esta doença ocorre preferencialmente nas regiões do Ribatejo, Alentejo, Algarve e a Ilha da Madeira.
A Dirofilária afecta principalmente cães mas também pode afectar gatos e animais silvestres.
A transmissão ocorre através da picada de mosquitos fêmea do género Culex, mas também Anopheles e Aedes, infectados com larvas de dirofilária (microfilárias). Durante a picada o mosquito inocula na corrente sanguínea do cão as microfilárias que seguem depois para as artérias pulmonares no coração onde desenvolvem-se em filárias adultas.

Os sintomas normalmente surgem vários meses após o animal ser infectado. São comuns as dificuldades respiratórias, tosse crónica, intolerância ao exercício, perda de apetite, perda de peso e morte súbita.
Se a doença for diagnosticada atempadamente tem cura, no entanto o tratamento é muito dispendioso e apresenta riscos para a saúde do animal.
A prevenção pode ser feita com base em comprimidos administrados ao cão todos os meses (que eliminam as microfilárias em circulação) e com o uso de repelentes (pipetas) que previnem a picada do mosquito. Se viajar com o seu animal para zonas endémicas de dirofilariose, previne-se antes.
É considerada uma zoonose pois afecta o Homem, embora isso ocorra muito raramente. O Homem infecta-se quando os mosquitos vectores se alimentam dele de forma acidental. As larvas de dirofilária são transmitidas ao sangue periférico e na maioria dos casos, não ultrapassam o tecido subcutâneo, morrendo aí. Se a infecção progredir, a dirofilariose humana manifesta-se de maneira diferente dos animais: provoca infiltrações nodulares em vários órgãos como o fígado e pulmões.

  • ZOONOSES TRASMITIDAS POR CARRAÇAS


Em todo o mundo as carraças são a segunda causa de transmissão de doenças infecciosas, a seguir ao mosquito.
As carraças adultas fixam-se aos animais para se alimentarem do seu sangue. Elas são bem visíveis à vista desarmada, sendo vulgar verem-se em maior ou menor número fixadas à pele dos animais. Ao picarem podem transmitir doenças infecciosas.
Normalmente os animais apanham carraças em zonas com vegetação, arbustos ou plantas em geral como nos campos, parques e jardins das cidades.

A doença comummente designada por “Febre da Carraça” abrange um conjunto de patologias provocadas por diferentes agentes etiológicos, que têm em comum o facto de serem transmitidas pela picada de carraças. Entre elas temos:
                - Babesiose,
                - Doença de Lyme,
                - Erliquiose,
                - Riquetsiose

Estas doenças afectam o cão, e ocasionalmente o gato. São zoonoses mas não é o cão ou o gato que as transmitem ao Homem, é a picada de carraças.
Nas zonas endémicas, acontece muito frequentemente a co-infecção com Leishmania infantum. Isto representa um desafio maior para o Médico Veterinário porque os animais com várias infecções podem apresentar sintomas clínicos diferentes dos que são observados em animais infectados por um só agente patogénico.
Manifestam-se por: febre, letargia, anorexia, dor e inflamação articular, anemia, hemorragias e perda de peso. Os animais nem sempre apresentam todos estes sinais, tornando difícil o diagnóstico. Também não é raro os sintomas surgirem bastante tempo após a remoção das carraças.

Para prevenir é importante reduzir o número de picadas de carraças. 
O que posso fazer?
- Tenha cuidado nas saídas ao campo. Afaste-se dos arbustos e use vestuário que cubra as pernas e braços.
-Retire o mais depressa possível as carraças fixadas em si e nos animais. A transmissão de doenças é mais provável de ocorrer se a fixação superar as 12-24 horas.
- Não deixe que o seu animal ande por zonas de arbustos e vegetação alta.
- Desparasite o animal contra as carraças, durante todo o ano, com produtos recomendados pelo Médico Veterinário. As alturas do ano de maior preocupação são, em Portugal, de Março a Setembro. A prevenção deve iniciar-se antes de começarem a surgir as primeiras carraças.

  • BARTONELOSE FELINA - DOENÇA DA ARRANHADELA DO GATO
Esta doença que é mais comum no Outono e Inverno é provocada pela bactéria Bartonella henselae. Os gatos são o principal reservatório da bactéria, em especial os que tem menos de 1 ano de idade e os gatos vadios.
As pulgas são os vectores responsáveis pela transmissão da infecção aos gatos. A bactéria encontra-se na saliva ou fezes de pulgas infectadas.
As pulgas dos gatos não são as mesmas que afectam os cães. Da mesma forma, há diferentes espécies de Bartonella spp, em que umas infectam os gatos (Bartonelose felina) e outras os cães (Bartonelose canina). A infecção nos cães e gatos dá-se por intermédio da picada de pulgas. Das diferentes espécies que causam a Bartonelose felina  a Bartonella henselae é que é responsável pela zoonose: Doença da arranhadela do gato.
O gato é infectado quando é picado pelas pulgas ou contacta com as suas fezes ao lamber-se (aquando da limpeza da pelagem). A bactéria depois segue para a corrente sanguínea alojando-se nos eritrócitos afectando os órgãos. O gato torna-se então portador da bactéria.
A maioria dos gatos não apresenta sinais clínicos e a doença (Bartonelose felina) é subclínica. Se tiverem sinais são subtis como uma febre ligeira, apatia ou falta de apetite. Contudo nos gatos com o sistema imunitário deficiente devido à SIDA ou leucemia felina os sintomas podem ser mais graves e a doença ser fatal.  
 Nas pessoas com esta doença há história de arranhadela em 67% dos casos ou contacto com gatos em 90% dos casos e o gato em questão é habitualmente saudável.
As pessoas não adquirem a infecção através da picada da pulga. O Homem infecta-se quando é arranhado ou mordido por um felino hospedeiro da bactéria. Os gatos podem ter fezes de pulga nas unhas e infectar o Homem ao arranhá-lo. O Homem apresenta no local de inoculação vermilhão e pequenas pápulas ou pústulas. Segue-se depois o aumento dos gânglios linfáticos locais, mal-estar, dores de cabeça e febre. Contudo se a pessoa tiver o sistema imunitário comprometido a infecção pode tornar-se sistémica e mais grave.
O diagnóstico da infecção no gato é complexo e nem sempre 100% fiável. Os gatos infectados com sintomas devem ser tratados.
A prevenção passa por desparasitar o gato contra as pulgas, ter cuidado no contacto com gatos doentes e evitar as arranhadelas. Se acontecer, desinfectar imediatamente a zona arranhada.

Artigo escrito por Sandra Oliveira – médica veterinária (CP 4910)

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